segunda-feira, 26 de setembro de 2011

ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL : ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL - CRIME CONTINUADO

Os crimes de Abuso de confiança fiscal e de Abuso de confiança contra a segurança social [art. 105.º e 107.º, do RGIT] correspondem a tipos legais autónomos que, sob diferente teleologia, pretendem tutelar bens jurídicos diferentes.

Assim, não podem configurar, entre si, um crime continuado.
O sistema fiscal do Estado e o sistema da segurança social constituem em si realidades diferentes, muito mais amplo aquele que este, e ambos organizados, evidentemente, a seu modo.

As finalidades prosseguidas pela fiscalidade e pela segurança social também divergem.
A natureza das contribuições para a segurança social não é, pelo menos no que toca ao trabalhador, a de um imposto.
O universo dos sujeitos passivos está também muito longe de coincidir.
Finalmente, as receitas da segurança social formam um património que se não dilui, pura e simplesmente, no erário público.
Daí que não seja só do ponto de vista político, económico, ou jurídico, que entre a fiscalidade e a segurança social haja importantes diferenças.
Do ponto de vista psicológico e social a comunidade não pode deixar de encarar estes dois sistemas como realidades diversas. Uma coisa é o que o cidadão trabalhador (ou o empregador dele) paga ao Estado, ao serviço do apoio que desse Estado se possa vir a receber, para suprimento de limitações sentidas a nível individual (doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, segundo o artigo 63.º, n.º 3, da CR).  Outra, completamente diferente, é o que todos pagamos ao Estado em impostos, para ser usado indiferenciadamente ao serviço de todas as despesas possíveis com que este tenha que arcar.
A «função tributária» ou as receitas fiscais do Estado visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, mas, também, uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (artigo 103.º, n.º 1, da CRP).
À semelhança de um fundo de pensões, as contribuições para a segurança social destinam -se à prossecução dos seus fins muito específicos, de que não beneficiam, sequer, todos os cidadãos.
No regime contributivo da segurança social as receitas arrecadadas não são do Estado, no sentido de integrarem directamente o «erário público», mas pertencem a uma entidade individualizada, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS) (artigo 25.º, n.º 1, alínea a), do Decreto -Lei n.º 260/99, de 7 de Julho). O sistema previdencial tem mesmo por vocação autofinanciar -se (31).
E o facto de as receitas fiscais suprirem as carências do sistema da segurança social só revela a subsidiariedade daquelas.
A orientação seguida pelo legislador de 2007 ao aditar o n.º 2 ao art. 79.º, do CP, confere um propósito interpretativo relevante na aplicação a casos anteriores (em que à data da prática dos factos vigorava a redacção dada pela Reforma de 1995), no sentido de se acolher a posição jurisprudencial maioritária e coincidente com a alteração legislativa.

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