quinta-feira, 10 de março de 2011

Impossibilidade de reversão de coimas para os Administradores e Gerentes ACÓRDÃO N.º 24/2011

Decisão
Pelo exposto decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade, a norma do artigo 8.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei 15/2001, de 5 de Junho, interpretado com o sentido de que aí se consagra uma responsabilização subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão da execução fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora.
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.
Sem custas.
Voto a decisão, nos termos da fundamentação anexa.

DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Em causa no presente processo está a norma do artigo 8º do RGIT “quando interpretado no sentido de que aí se consagra uma responsabilidade subsidiária pelas coimas que se efectiva através do mecanismo da reversão fiscal contra os gerentes e administradores da sociedade devedora”.
No acórdão nº 481/2010, desta secção, dissentimos do juízo de inconstitucionalidade formulado em relação à norma (idêntica à actualmente em apreciação) contida no artigo 7º do RJIFNA, uma vez que não perfilhávamos a construção, acolhida nesse acórdão, de que a responsabilidade prevista nessa disposição não podia revestir-se de natureza civil. Entendemos com efeito que não está vedado ao legislador responsabilizar civilmente os gerentes e administradores de uma sociedade por um comportamento próprio traduzido na causação culposa da situação criadora da impossibilidade de satisfação do crédito emergente de uma coima imposta à sociedade em que tenham exercido responsabilidades de administração ou gestão. Mas antecipáramos já que poderiam não estar isentos de censura constitucional os termos de efectivação dessa responsabilidade (maxime através do mecanismo da reversão). Só que tínhamos para nós que a desconformidade constitucional não estaria na previsão daquele tipo de responsabilidade (resultante do artigo 7º do RJIFNA como do artigo 8º do RGIT), mas em algumas modalidades da sua efectivação, que àqueles preceitos não podiam ser directamente reconduzidas mas que implicavam a mobilização de outros locais do sistema.
2. A norma ora sub judice constitui precisamente uma exemplificação da hipótese que na altura configurámos. Na verdade, está agora em causa a dimensão normativa que prevê a efectivação da responsabilidade subsidiária, prevista naquelas disposições, dos gerentes e administradores da sociedade devedora, através do mecanismo da reversão, pelas coimas em que aquela haja sido condenada.
Assentando em que não é inconstitucional a responsabilização de gerentes e administradores pelo comportamento pessoal que, ao provocar a situação de incumprimento da sociedade, frustrou a cobrança coerciva do valor correspondente à coima, cumpre agora indagar se a efectivação daquela responsabilidade, pelo mecanismo da reversão, ao abrigo do artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, será desconforme com os princípios constitucionais.
Parece-nos que a resposta afirmativa se impõe. Na verdade, o chamamento daqueles sujeitos à execução faz-se por reversão desta, baseada no título executivo que serviu para a instauração da execução contra a sociedade. Não comportando tal título a responsabilização dos administradores e gerentes pelo comportamento pessoal que terá conduzido à diminuição patrimonial da sociedade que a impossibilitou de pagar as coimas, o prosseguimento da execução, nele baseada, contra aquelas entidades envolve uma execução sem título, que, ao implicar a mobilização do poder coercitivo do Estado contra sujeitos de direito cuja responsabilidade se não acha estabelecida, configura uma violação do princípio do processo equitativo previsto no artigo 20º, nº 1, da Constituição e, em particular, das dimensões de audiência e defesa que lhe são naturalmente inerentes.
3. Note-se que o que acima fica dito não implica a desconformidade constitucional do mecanismo da reversão da execução previsto no artigo 160º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas apenas a da sua utilização fora do âmbito das execuções fiscais. Aqui, com efeito, os responsáveis subsidiários são chamados a responder pela dívida dos devedores originários, uma vez que, ao serem igualmente sujeitos tributários, por opção legal, estão também adstritos ao cumprimento daquela obrigação.
Enquanto redirecciona a cobrança da dívida tributária no interior do círculo dos obrigados ao seu cumprimento, o mecanismo da reversão limita-se a constituir uma opção ditada pelas exigências da economia processual, por isso dentro da margem de disponibilidade do legislador. Diversamente, quando utilizada para promover a execução para além do título que lhe serve originariamente de base, a reversão não pode deixar de conduzir a uma execução sem título, configurando uma manifesta violação do princípio do processo equitativo e em particular do direito de audiência e defesa incluídos no respectivo núcleo essencial.
4. Nestes termos, implicando a dimensão normativa em apreciação uma execução correspondente à efectivação de uma alegada responsabilidade, não titulada, e em qualquer caso de natureza distinta da dívida que é objecto do título revertido, entendi que ela implica uma violação do princípio do processo equitativo e do direito de audiência e defesa, o que me levou a acompanhar, com esta distinta fundamentação, a decisão a que o Tribunal chegou no presente processo.

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