terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Espécie de recurso. Documento superveniente. Litisconsórcio. Acção de impugnação da justificação notarial. Ónus da prova

Tendo em conta a finalidade da impugnação, os recursos ordinários podem ser configurados como um meio de apreciação e de julgamento da acção por um tribunal superior ou como meio de controlo da decisão recorrida.


No primeiro caso o objecto do recurso coincide com o objecto da instância recorrida, dado que o tribunal superior é chamado a apreciar e a julgar de novo a acção: o recurso pertence então à categoria do recurso de reexame.

No segundo caso o objecto do recurso é a decisão recorrida, dado que o tribunal ad quem só pode controlar se, em função dos elementos apurados na instância recorrida, essa decisão foi correctamente decidida, ou seja, se é conforme com esses elementos: nesta hipótese, o recurso integra-se no modelo de recurso de reponderação.

Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas.

Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.

Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.

A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3º, nº 3 do CPC).

Tendo o Tribunal limitado-se a afirmar que as partes são legitimas, a decisão correspondente não adquiriu a força de caso julgado formal e, por isso, nada obstava a que a sentença final viesse a apreciar essa excepção dilatória – como nada impede, que o tribunal ad quem dela venha a conhecer (artºs 510º, nº 3, 1ª parte, e 660º, nº 1 do CPC).

Pelas razões já indicadas, ainda que esse pressuposto processual geral não constitua objecto do recurso, porque se trata de pressuposto de que o tribunal conhece oficiosamente, o tribunal ad quem pode sempre apreciá-lo e, caso conclua pela sua falta, absolver o autor da instância reconvencional (artºs 288º, nº 1, d), 487º, nºs 1 e 2, 493º, nºs 1 e 2, 494º, e) e 495º do CPC).

Com as suas alegações do recurso de apelação as partes só podem juntar documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes – i.e., cuja apresentação foi impossível até à apresentação dessas alegações - ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artº 524º, nºs 1 e 2 e 693º-B, 1ª parte, do CPC).

Esta faculdade não compreende o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido naquela instância.

A superveniência pode ser objectiva ou subjectiva: é objectiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjectiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.

A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, i.e., alegando e demonstrando o carácter objectiva ou subjectivamente superveniente desse mesmo documento.

No tocante à superveniência subjectiva não basta invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, já que isso abria de par em par a porta a todas as incúrias e imprevidências das partes: a parte deve alegar – e provar - a impossibilidade da sua junção naquele momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua. Realmente, a superveniência subjectiva pressupõe o desconhecimento não culposo da existência do documento.

A superveniência objectiva é facilmente determinável: se o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância, ele é necessariamente superveniente.

Portanto, só a superveniência subjectiva pode justificar a admissibilidade da junção, o que coloca o problema delicado da aferição dessa superveniência, dado que, pressupondo aquela superveniência a ignorância não culposa do documento, importa verificar em que condições se pode dar relevância ao desconhecimento do documento pela parte.

No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados.

A falta de qualquer parte, activa ou passiva, numa hipótese de litisconsórcio necessário determina sempre a ilegitimidade da parte ou partes presentes em juízo (artº 28º, nº 1 do CPC).

São, fundamentalmente, dois os critérios orientadores do litisconsórcio necessário: critério da disponibilidade plural do objecto do processo, que tem expressão no litisconsórcio legal e convencional; o critério da compatibilidade dos efeitos produzidos, que tem expressão no litisconsórcio natural.

O litisconsórcio necessário legal é o que imposto pela lei (artº 28º, nº 1 e 28º-A do CPC).

De harmonia com a definição legal, o efeito útil normal da decisão é atingido quando sobrevém uma regulação definitiva da situação concreta das partes – e só delas – quanto ao objecto do processo e, por isso, o efeito útil normal pode ser conseguido ainda que não estejam presentes todos os interessados e em que, portanto, a ausência de um deles nem sempre constitui um obstáculo a que esse efeito possa ser atingido, conclusão que é imposta pelo facto de a lei admitir expressamente a não vinculação de todos os interessados (artº 28º, nº 2, 2ª parte, do CPC).

A acção na qual se impugne o facto justificado notarialmente constitui uma acção de simples apreciação negativa. De uma forma breve, pode dizer-se que a acção de simples apreciação negativa é aquela em que o autor apenas pretende a declaração inexistência de uma relação ou de um facto juridicamente relevante (artº 4º, nºs 1 e 2, a) do CPC). O julgamento da acção de simples apreciação apenas faz aparecer direitos anteriores, é um simples espelho de direitos.

Na acção de simples apreciação negativa a actividade judicial limita-se a retirar de um estado de incerteza grave e objectiva o direito ou facto jurídico, verificando, em juízo, a sua inexistência: a situação jurídica permanece inalterada, no sentido de que o juiz, com a sua pronúncia não faz mais do que colocar em evidência aquilo que no mundo do direito já existia.

Tratando-se de acção de simples apreciação negativa é ao réu e não ao autor que compete fazer a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (artºs 342º, nº 1 e 343º, nº 1 do Código Civil).



Legislação: ARTºS 28º, 28º-A, 288º Nº 1, D), 487º NºS 1 E 2, 493º NºS 1 E 2, 494º, E), 495º, 524º, NºS 1 E 2 E 693º-B, 1ª PARTE, DO CPC.

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